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Será que vai dar certo?


Acho que já falei aqui da Clarinha e Inês, filhas dos meus amigos Ana e Pedro, que eu adoro e com quem, sempre que posso, passo imenso tempo a brincar. E, desde que a Clara era muito pequena e a Inês ainda nem existia, gostamos muito de fazer imensas torres com os tradicionais blocos de montar como os da imagem ao lado.


Uma das coisas que mais gosto nessa brincadeira é a sensação de expectativa que vamos criando a cada bloco colocado - Será que vai cair?! Será que vai dar certo?! - E, mesmo sabendo que a torre vai cair, afinal é esse o objetivo velado da brincadeira, a cada movimento para acrescentar uma peça, vejo nos olhos delas aquela ansiedade boa, o sorriso brilha nervoso e as mãozinhas se contraem porque, mesmo contra todas as probabilidades, a peça pode encaixar, a torre pode não cair, pode ser que dê certo.


E quando dá e a torre fica de pé, arriscamos mais uma peça para sentir a emoção da expectativa tudo de novo e, com sorte, a alegria do sucesso.


Algumas fases mais adiante na vida, sentimos o mesmo a cada novo início de flerte, paquera, xaveco (não tenho a menor ideia de qual o termo que se usa hoje em dia, ha ha ha). Sabemos que o mais provável é que o romance não dê certo, que nosso par só queira algo fugaz ou que ele seja mesmo um traste. Ainda assim, arriscamos e nos deliciamos nesse período de expectativa quando não sabemos se ele vai ligar, se o beijo vai ser bom, se vamos querer nos beijar de novo, como será o sexo e, no fundo, se o caso vai dar certo. Não é à toa que muita gente, casada principalmente, às vezes comenta que sente saudades das borboletas no estômago típicas da fase de paquera.


Tenho pensado muito nisso, na nossa capacidade de arriscar, enquanto converso com diversas pessoas sobre nossa decisão de ir viver para os Açores. Ah, queria ter a vossa coragem. A coragem de que se fala, não é a de ir para os Açores, mas sim a coragem de arriscar, de vibrar de ansiedade com a expectativa de não saber o resultado das nossas decisões, das nossas apostas, de nossos atos menos sensatos, a coragem de trocar o certo pelo incerto, pelo sonho.


Por que vamos perdendo a capacidade de arriscar?

Por que paramos de colocar novas peças na nossa torre muito antes dela estar em risco de cair.

E se cair? Não dá mesmo para erguer de novo?


Eu não tenho a resposta para isso, é claro - senão estaria ganhando rios de dinheiro com livros de auto ajuda - mas tenho pensado em algumas coisas, algumas delas, inclusive, eu abordo no meu livro, de ficção não auto ajuda, COMO FAZER AMIGOS E INFLUENCIAR PESSOAS DEPOIS DE MORTO:


A supervalorização da segurança

De maneira geral, a humanidade anda hiper preocupada com segurança. E, muita vezes, Segurança mistura-se e confunde-se com Estabilidade. Então, tornamo-nos uma sociedade que tem como objetivo maior a segurança e estabilidade, que não acrescenta peças à torre sem ter a certeza que não abalará a estrutura. E, em nome da segurança e estabilidade, ficamos presos a relacionamentos sem amor, sem risadas e pouco construtivo ou, por outro lado, abrimos mão de romances incríveis porque o parceiro não quer casar e "assentar"; passamos a vida reclamando de empregos só porque o salário nem é mal e afinal eu já estou nos quadros na empresa sem pensar que TODOS os 5 dias da semana de uma vida inteira gastamos 1/3 do dia numa situação que não gostamos e até odiamos em função de uma segurança que na maioria das vezes nem entendemos o significa. Aliás, o que é segurança? O que queremos alcançar com a estabilidade? A garantia de um futuro... seguro? Quem garante? Um emprego público? Um casamento estável? Uma casa própria? E essa segurança é que nos deixará completo..? satisfeito..? Alegre ou, vou forçar, feliz?


Não estou dizendo que devemos todos largar o trabalho, acabar com o casamento, abandonar nossas casas e fazer algo incrivelmente diferente todos os finais de semana que não seja menos radical que saltar de paraquedas. Mas, talvez, e é uma ideia... manter um trabalho estável para poder arriscar fora dele? Quem sabe aguentar uns anos de estabilidade para juntar peças para a torre e se preparar para abrir um negócio próprio, apostar no sonho de ser artista, de ser escritora (conheço alguém assim :-), de viajar para lugares desconhecidos, de aventurar-se aos finais de semana, experimentar, tentar o ridículo - balonismo, spa, artes marciais, dançar na rua, tocar um instrumento, montar um musical, fazer canto, criar ovelhas, escrever um livro, montar uma banda, fazer aulas de pole dance, trocar de casas nas férias...


História real: sempre tive muito problema em guardar dinheiro. A ideia de deixar de fazer algo bacana hoje para poder comprar remédio quando tiver 80 anos ou investir numa casa onde teria que viver pelo resto na vida, não fazia qualquer sentido para mim. Então meu primo, Ricardo, me ensinou como ele guarda dinheiro: são 2 poupanças, não uma. O dinheiro pode até estar no mesmo lugar, mas você administra como se fossem duas. A 1ª é para o futuro: casa, negócio, aposentadoria, saúde, etc. A 2ª é para gastar com o presente: viagens, experiências, uma roupa mais cara, um vinho inesquecível, uma noite romântica... Ou seja, o dinheiro para acrescentarmos blocos à nossa torre, para sentir boboletas no estômago. Hoje eu tenho dinheiro guardado. E parte dele vaio ser usado para essa aventura de ir viver numa ilha sem ter certeza do que nos espera. Obrigada, Ricardo! (não é à toa que ele abriu um faculdade de gestão em São Paulo, a Brain Business School. Fica a dica).


E que tal mixar a segurança e estabilidade com o risco, com o desconhecido, com a aventura, com algo que você não tem certeza que vai dar certo, abalar só um poquinho a torre?


Fazer só o que todos fazem

Quando vim viver para Portugal, muitas pessoas no Brasil me perguntavam: Portugal?! Por que?! Eu, se fosse sair do Brasil, iria para xxxxx. Por que não Portugal e sim xxxx, que na época acho que era Londres e Nova Iorque? Porque era para onde todo mundo ia.


Agora Portugal está na moda: Portugal!!!?? Não acredito, meu sonho é morar em Portugal! Porque, afinal, se todo mundo vai , eu tenho que ir também :-(


Conheço muitas pessoas que deixam de pensar sobre aquilo que elas realmente querem, valorizam e sonham para fazer apenas aquilo que todos fazem. Então, ao invés de arriscar e fazer algo diferente de todo mundo mas que corresponde mais aos seus valores e sonhos, seja mudar o corte de cabelo ou ir viver num outro país, acaba por simplesmente seguir o que está na moda e, mais uma vez, é mais "seguro". Então, por mais que pareça que estão se desafiando, estão apenas seguindo as ideias, desafios e sonhos dos outros outros e, por fim, a pergunta é "será que a vida, cabelo, viagem, aventura vai ficar igual?" ao invés do "será que vai dar certo?".


Ouvir muitas histórias de fracasso ou de sucesso

A frase pode parecer ambígua, e é, mas refere-se a uma diferença de atitude que noto entre meus dois países do coração: Portugal e Brasil.


Em Portugal, é muito comum ser metralhado de histórias trágicas e de fracasso sobre tudo e mais alguma coisa, normalmente com casos de problemas de saúde detalhados ao limite. Chega-se a descobrir, em meia hora de conversa, quantas vezes e por qual motivo cada habitante de um bairro esteve no hospital no último ano.


Então, para cada sonho ou ideia que uma pessoa comenta, ela recebe de volta uma saraivada de histórias semelhantes que não deram certo:


- Vou construir uma casa de madeira!

- ihhhhhh, não se meta nisso. O filho do primo de um amigo meu construiu uma e teve problemas de cupim. Perdeu tudo e foi parar no hospital com pneumionia.


- Vou cortar o cabelo curto.

- Eu não faria isso. A irmã da moça lá do supermercado cortou o cabelo curto e não gostou e logo depois perdeu a mãe e teve uma depressão e foi parar no hospital de tanto tomar remédios.


- Vou viajar para o Norte.

- Para o Norte? Mas eu não fui lá uma vez e furou o pneu do carro e era de noite e eu não sabia trocar? Tive que dormir num hotel rasca, esqueci de jantar, acordei sem força, andei no sol, desmaiei e fui parar nos hospital onde descobri que estava com um problema no estômago.

- Então para Sul...

- Para Sul? Estás doida? Um filho de um primo...


Ou seja, para qualquer decisão na vida, recebemos tanta notícia de pessoas que se deram mal em situação nem sempre tão semelhante, que acabamos ficando com um enorme receio de arriscar.


E no Brasil é o contrário:

Vou construir uma casa de madeira!

- Irado! Meu primo construiu uma casa de madeira que ficou tão tão tão boa que uns gringos gostaram, ele vendeu por milhões e agora ele é rei num país que eu não lembro o nome.


- Vou cortar o cabelo curto.

- Uau! Corta bem curtinho! Porque eu tenho uma amiga que cortou e ficou tão gata que pararam ela na rua para fazer uma audição e hoje ela desfila em Milão.


- Vou viajar para o Norte.

- Pro Norte? Quem sabe você não tem um furo no pneu que nem meu amigo que foi ajudado por um grupo de pessoas, entre eles a Gisele Bundchen e ficou tão amigo dela e do marido que agora passa férias com o Tom Brady e a Gisele, virou assistente pessoal de uma tia deles e está cheio da grana e tem até um mercedes daqueles, sabe?

- Mas talvez vá para Sul.

- Véio, uma vez no Sul eu encontrei…..


Aí você percebe que isso nunca vai acontecer com você, que a expectativa seria tão grande, que nem vale tentar.


Enfim, tudo isso para dizer que estou nessa fase: o coração pulando, o riso nervoso, aquela sensação incrível de expectativa de quem já está com o bloco na mão posicionado para colocar na Torre e que todo mundo pode e deveria arriscar de vez em quando porque a sensação é maravilhosa.


E se a torre cair? A gente monta outra, ué? Os blocos não caem muito longe....


Açores, chega logo!


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